31.12.11

Ano-novo

Pois o indignado se pergunta por que tanto escarcéu - ano-novo não é nada mais que uma data ilustrativa do esquartejamento do tempo! De nada sabe o indignado. Não acredito, contudo, nestes outros que têm a pretensão de fazerem-se absolutamente outros no novo ano que chegará. Serão outros, sim, mas outros apenas minutos mais velhos. Para mim, ano-novo é meio termo. Merece um escarcéu controlado, merece a comemoração que lhe é justa. Afinal, o céu se ilumina - nos sentidos mais e menos literais -, e o homem se propõe a olhá-lo. Enquanto vive, não olha, o céu não existe mais - só no ano-novo. E um dia em que o céu vira objeto de atenção, ainda que por no máximo 15 minutos, merece no mínimo 7 bilhões de rolhas de champagne.

28.12.11

A gata e o cachorro

Minha gata e meu cachorro têm uma espécie de namorico. O cão está sempre a encher a gata e a gata sempre a dar patadas no cão. E ficam fazendo esse showzinho pra quem quiser assistir. Lambe daqui, mostra os dentes dali. Cheira aqui, dá unhada ali. São as eternas crianças que no jardim de infância demonstram o amor da forma mais animalesca possível. A diferença é pouca, mas significativa: as crianças do jardim de infância, nessa confusão de amor versus ódio, acabam por ir pra casa depois das patadas e unhadas e forçam-se aprender a dureza do desapego, a dureza do amor não-correspondido, ou pior ainda, a dureza do amor correspondido mas não consumado (e a velha pergunta - por quê, mamãe?) -

Minha gata e meu cachorro não têm tempo nem saco de ter todas essas desilusões que o ser humano tem e acabam por dormir juntinhos em uma noite de frio.

27.12.11

Felicidade

Felicidade é ouvir o Bob Dylan tocar gaita e nem se importar...

24.12.11

Melancolia

A melancolia é uma gaita desafinada.

João-de-barro

Tenho dois passarinhos de cerâmica na minha casa, presos um ao lado do outro no mesmo pedação de madeira. O primeiro está meio que olhando pra frente, meio que pra cima, o segundo está olhando discretamente pro primeiro. Tem algo de medroso no segundo passarinho. Parece que ele acha que o primeiro vai voar e deixá-lo sozinho ali no poleiro. Encurva as costas, abaixa-se um pouco, comprime-se de medo.

O mais justo que pode acontecer com os dois passarinhos, que ainda não aprenderam a viver nesse vai-não-vai, nessa vida-pela-metade, é um confronto com a faxineira maluca, que além de aranha, gosta de consertar as coisas até que elas se quebrem. A faxineira maluca tentaria, então, fazer com que o primeiro passarinho parasse de tentar voar, tentaria virá-lo para o segundo, tão apaixonado. Claro que o Durepoxi não aguentaria, e o primeiro passarinho iria, enfim, sair voando.

Memória de passarinho é curta (ainda mais passarinho de cerâmica!) e o passarinho solitário ficaria lá, olhando para o nada e tentando lembrar o quê que tinha no lugar daquela massa cinza presa tão aleatoriamente em seu bloco de madeira. Mesmo não sabendo o que tinha perdido (se a gente não sabe a gente não sente, não é?!), suas costas ainda estariam curvas, ainda estaria comprimido pelo medo de ter perdido algo importante - quem sabe um outro passarinho? Quem sabe seu barro-metade?

22.12.11

Vilão

Entrou um passarinho dentro da minha casa. Era filhote, tadinho, e não conseguia sair sozinho. Depois de bater muito nas paredes e colunas, ficou no chão e deixou-se ser apanhado. Resgatado, já do lado de fora, arfava freneticamente buscando ar, buscando ressossego. Se eu fosse um desses escritores medíocres, diria que o passarinho olhava para mim com lindo agradecimento. Mas não sou, e portanto digo a verdade - o passarinho olhava como fosse eu o maior dos monstros!

19.12.11

Hollywood

Quem foi covarde a vida toda tá louquinho pra bater de cara no clímax.

17.12.11

Sabedoria de um sábio

A gente tende a ouvir nossos avós, como fossem espécie de anciões cuja verdade não lhes escapa. Mas não é desse jeito que o mundo funciona, não são os anos de vivência que trazem-nos a luz. A luz se nos dá ou não se nos dá.

Não que as sabedorias de um avô ou de uma avó não devam ser ouvidas: sim, elas trazem verdades, ainda que verdades breves. Só posso conter o que me cabe? É verdade. Mas e quando eu contenho o que não me é possível conter, e quando fantasmas vêm me fazer cócegas no pé sem que eu saiba sequer que tenho cócegas? Da mesma forma, só deixamo-nos longe da ideia de fazer a sopa se quisermos comer outra coisa. O siri é mais rápido que nós, fato, mas aí temos DUAS alternativas, uma tão verdadeira quanto a outra - deixar o siri na toca dele e ir comer um sanduíche num boteco; ou continuar atrás do crustáceo até que o peguemos. Esta última vai dar uma canseira, mas a sopa, se for feita, vai ter gosto de vitória! Aquela primeira vai nos deixar com tempo suficiente pra correr atrás de qualquer outra coisa, outro bicho...

O que deve ficar é o seguinte: as sabedorias, seja do avô, seja da avó, seja de um sábio, devem ser lidas, devem ser consideradas. Mas não devem guiar-nos a lugar nenhum que já não tenhamos nos apontado.

14.12.11

Sabedoria de avó

Isso minha avó pernambucana já me disse: não vale a pena fazer sopa de siri quando o siri corre mais que você!

13.12.11

Sabedoria de avô

Meu avô nunca me disse isso, mas eu espero poder dizer pros meus netos: só o que cabe em você é que você pode conter. Pra não ser incomodado por fantasmas, não acredite em fantasmas, ora!

Cleide

Foi Cleide, boa e véia, que me ensinou a falar pernambucano. Mas eu não aprendi. Que desgosto! Agora, anos mais tarde, sempre que sinto cheiro de alho em minhas mãos ouço sua voz entoando cantigas mamelucas, sinto seu abraço apertado e seu suor pingar em minha cabeça. Só agora começo a balbuciar minhas primeiras palavras como nato Leão do Norte.

Os nordestinos não vieram pra cá pra fugir de adversidade nenhuma. Vieram porque São Paulo tava tão pobre, tão sem cheiro, tão sem som...

12.12.11

Língua

E foi só quando o rapaz resolveu dizer que as vozes finalmente aquietaram-se: 'Minha língua trabalhou tanto, deixe-me descansá-la na tua boca...'

As vozes aquietaram-se, mas qual descanso qual nada!

Alfândega

Dizem por aí que da vida nada se leva. Se chegares, portanto, à beira do rio do purgatório e esperares embarcar, seja com o Anjo, seja com o Demônio, com algo além de sua alma, não passarás!

Pois não quero acreditar nessa religião maluca. Se me defrontar um dia com os serviçais da Morte, farei tal como faria se viesse de uma viagem do Paraguai - sacos e mais sacos de produtos contrabandeados, dinheiro pra propina e um amuleto de sorte, torcendo pra que a alfândega post mortem fizesse vista grossa. Quando chegasse ao Céu (sim, é pra lá que eu vou!), trocaria tudo por um pedaço melhor de nuvem, de preferência bem em cima da praia de Moçambique, na Ilha de Santa Catarina.

So blue...

Como sorri o cantor de blues!

10.12.11

Ecce maccus

Engraçado que eu tenha escrito sobre Nietzsche no Dia dos Palhaços...

Ecce homo

Li uma frase do Nietzsche que me ficou na cabeça. 'A vontade de superar uma paixão não é mais que a vontade de outra ou muitas outras paixões'. Em outra tradução não era a palavra paixão, mas afeto. Tudo bem.

Bom, essa frase me ficou na cabeça porque de início concordei. Mas, ah, a cabecinha do homem (e das mulheres também!) tá sempre dando voltas e voltas. Eventualmente ela para, como a minha parou. Parei e fico pensando, então, como aceitei a frase, de início! Que enorme disparate! Parece que Nietzsche, com essa pretensão louca de fazer morrer Deus, quis fazer morrer também o coração do homem. O coração do homem que, ainda quando quietinho, faz de tudo pra esquecer aquilo que não mais contém - como enfrentar o Tempo, se não deste jeito? O filósofo alemão era muito duro consigo mesmo - vide seu bigode -, e, logo, muito duro com sua condição humana. Não é de se espantar que tenha morrido doido...

Nietzsche era tão humano que mesmo dizendo uma besteira dessas disse tantas outras maravilhas! 'A objeção, o saltar-para-o-lado, a alegre desconfiança, o gosto pela zombaria são sinais de saúde: todo incondicionado pertence à patologia.'

Dia do Palhaço

Que palhaço que não chora quando é chamado de pierrot?

9.12.11

Gengibre

Gengibre arde, ainda mais quando está verde. Colocar na boca direto, sem acompanhamento ou qualquer tipo de preparo, é um perigo - suor, vermelhidão. Gengibre é fibroso, e às vezes ficam pedacinhos entre os dentes. Mas o gengibre, essa raiz dourada, é dono de um dos sabores mais singulares - e por que não?, maravilhosos! - que o homem pôde provar.

E se a gastronomia chinesa, milenar, usa-o há tanto, não há muito o que discutir - o gengibre vicia, sim, mas é ótimo pra saúde!