19.3.12

Necrópole

Um dia um deles pulou o muro e não voltou mais. Foi então que os mortos descobriram que podiam, sim, fugir do cemitério. Às vezes um ou outro voltava para praticar jogging ou ler um livro embaixo de uma árvore apodrecida, mas era raro ver defunto por lá. O cemitério virou, então, ponto de recanto - todos os vivos da cidade eventualmente se cansaram de tanto morto andando pelas ruas e o cemitério era o lugar mais silencioso que se podia encontrar.

Diferente do que o desavisado possa pensar, a cidade inteira ficou muito mais viva quando os mortos é que iam trabalhar e pegar trânsito na hora do rush e os vivos é que ficavam no cemitério, hedônicos e antivitais, como fossem duas condições indissociáveis...

7.3.12

Amplexo

Machos de algumas espécies de sapos quando se apaixonam por uma fêmea pegam-na por trás, abraçam-na e mantêm-se abraçados por até duas semanas, até que ela o aceite para ser seu parceiro. Nessa minha explicação deste fenômeno há uma mentira, e uma apenas: Sapos não se apaixonam (os Sapos Suicidas que o digam).

Há algo curioso nesse processo que ao meu ver evidencia a teoria evolucionista do velho Darwin, mas aponta uma possível singularidade não antes investigada - sapos talvez sejam, não os macacos, nossos descendentes diretos. Além da tendência anurossuicida a que todos os homens são passíveis, mas quase todos renegam, penso que na verdade o que mais nos aproxima dos amigos anfíbios é que dependemos de amplexos para que o sentido, o objetivo, nos venha. Mais que o menino que não larga a menina enquanto não receber o sim ou o não, é natural que abracemos a vida por trás até que ela nos aceite.

O sucesso da nossa espécie em relação às espécies dos sapos se deu por alguns fatores adquiridos e selecionados - telencéfalo desenvolvido, polegar opositor, bipedismo e, claro, a capacidade de se apaixonar.