30.11.09

O que foi perdido

'Desde pequena sonhava em ser freira. Achava tão bonita aquela roupa preta e branca... Foi crescendo, ela e o cabelo, e aprendendo um pouco sobre santidade. Escola de freira, nenhum livro que não o Sagrado. Ao aniversário da maioridade estava andando no caminho de casa para a escola e foi puxada para um beco. Um homem de bigode ralo subiu a bata dela tão rápido e com tanta força que era certo que ele tinha experiência. Ela começou a gritar, e continuou a gritar durante, mas os gritos foram se transformando de dor e desespero para prazer e desejo. O meliante achou interessante, mas aí é que ela se virou e quis ficar por cima. E com uma força desproporcional ao seu jeito hóstio. O homem entrou em parafuso e se desvencilhou. Correu. Ela deixou a bata lá no beco, junto com os restos da sua santidade, e foi ao mar.'

E o estranho escritor agora pensava se tinha ofendido a alguém. Provavelmente... Por isso não publicou e esqueceu o trecho em uma gaveta.

24.11.09

A improvável, mas real, história dos Sapos Suicidas

Chovia a balde. O menino tinha de chegar logo onde tinha que chegar, portanto dirigia rápido. Estrada esburacada, muita terra, muita água. Depois de uma curva, viu um corpo pululando pra baixo de uma roda - era um sapo. Pelo retrovisor viu o estrago. Tinha de seguir, mas diminuindo a velocidade. Outra curva veio, e depois dela outro sapo se jogou debaixo do carro. Dessa vez houve tempo de desvio e quando o fez, o sapo pululou de novo e foi atingido. O menino andou mais devagar ainda, se perguntando o quê estava acontecendo. Próxima curva, próximo sapo. Decidiu seguir a pés, estava chegando. Assim que saiu do carro e começou a correr, um sapo se jogou em baixo de seu pé direito. Clamou o menino por seu Deus, mas não foi atendido: mais dois passos, mais dois sapos.

O menino parou e só saiu do lugar quando a chuva cessou. Não queria ajudar os Sapos Suicidas.

22.11.09

A história que virá

E amanhã ou nos dias prosseguintes os Sapos Suicidas terão sua noite.

21.11.09

Lincença Poética

Estava eu, em um dia ensolarado, sentado em um banco de praça a alimentar os pombos. Já havia 45 minutos que eu estava lá, e já havia 30 minutos que um homem me mirava. Ele usava uma casaca bege e cerrada até o último botão - certamente escondia algo, até porque a temperatura relativa do ar era altíssima. Veio até mim e começou a falar:

- 'Tarde, senhor. Gostaria de estar comprando uma mercadoria de inestimável valor?

Curioso, decidi perguntar do que se tratava a oferta.

- Gostaria de adquirir tal mercadoria, se me confirmasses o inestimável valor que dizes que ela tem.

Então ele abriu a casaca e eu vi. Não sabia o que era, não me lembrava de ter visto aquilo alguma vez em minha vida. Mas senti umagnética atração, estranha e completa. Fui obrigado a perguntar:

- O que é isso?

- Isso, meu bom homem, é algo de se morrer buscando. Se trata de uma Licença Poética. Ganhei esta jovem, de meu avô, e fiz bom uso. Mas vejo que é hora de passá-la a quem precise. E você e seus pombos, Deus me disse, precisam.

- Minha curiosidade me leva a aceitar. Quanto pedes pela Licença?

- Uma barganha, meu amigo, uma barganha. Duas moedas quaisquer e ela é sua.

- Duas moedas?! Quaisquer moedas?!

- Sim.

Fiz a compra, tive de fazê-la. E hoje digo: pior negócio que poderia alguém fazer em toda a vida.

20.11.09

Dia que não chega...

Um dia eles verão que gritar não adianta,
só atrasa.
Não há luta pra vencer.
Um dia desses de verão eles vão ver...

Interferência divina

Ele dormia cedo, mas não nessa noite. Nessa noite, a clarabóia do seu quarto iluminava mais que todas as noites - bem, não a clarabóia, mas a Lua que por ela atravessava. E enquanto não chegava o sono, contava carneiros tosados, cada um com uma camisa florida de cor diferente, que pulavam ondinhas no mar.

18.11.09

Surpresa mortal

Apesar de manjado, fazia sucesso como mágico. Seus números eram dos mais simples - serrar a ajudante ao meio, vomitar paninhos, desaparecer em uma caixona. Mesmo assim, o público ia à loucura. Talvez porque fosse simpático e extrovertido, talvez porque não tinha cara de quem sabia o que estava fazendo. Morreu novo, de parada cardíaca, quando foi tirar um coelho de sua cartola e quem saiu foi Abraham Lincoln.

17.11.09

O problema do Poetinha

O teu problema, Poetinha, é que você pensa demais sobre emoções, o que é o mesmo que se dizer mudo. Tudo que você vê é cinza, nada branco ou preto ou amarelo, já que tudo que vê, olha com olhos críticos.

O teu problema, Poetinha, é que pra você uma flor não passa de um bucado de um buquê.

Criação

Toda criação é recíproca.